sexta-feira, 22 de abril de 2011

A Tosca de Salão





Gravada em Roma, em 1959, esta Tosca constitui um pilar essencial em toda a discografia pucciniana.

Com intérpretes frescos, na flor da idade, esta leitura será, porventura, a única verdadeira rival da justamente célebre Tosca perpetuada por De Sabata, com a protagonista absoluta - La Callas -, ladeada pelo Scarpia intemporal, interpretado por Gobbi.

Posto que a leitura de Von Karajan não me deslumbra (vide as minhas consideraçōes) e a de Chailly apresenta desigualdades difíceis de compatibilizar, proponho a presente interpretação de Molinari-Pradelli como alternativa / complementar à já descrita pérola de De Sabata.


Tosca é, por excelência, uma peça verista. Nela, as mais essenciais características da natureza humana ganham protagonismo e honras de palco: amor e ódio, secundados por vingança, rivalidade... e lascívia. O Verismo desnudou a humanidade, dado ter suprimido o pretérito papel do reprimido, que governara até à decadência do Romantismo. Freud era já uma referência por ocasião da estreia da verista Tosca. Doravante, os aspectos nobres da humanidade cederam, em favor da expressão mais selvagem: o desejo, polissémico, de espectro abrangente, fundamentalmente assente na sexualidade e agressividade.


Nesta Tosca, reinam equilíbrio, moderação e contenção.

Molinari-Pradelli dirige uma orquestra sumptuosa, impregnada de teatralidade. Tebaldi compõe uma Floria Tosca fina e algo contida, nos antípodas da Callas, porventura a mais visceral. A sua personagem encontra-se inundada de lirismo, no limite do diáfano, quase pueril…



A Grega respira pathos, enquanto Tebaldi transpira fragilidade e elegância, numa composição luminosa.



London – na senda de Renata Tebaldi – apoia a sua construção, de igual modo, no lirismo, que esbate o carácter eminentemente perverso do Barão Scarpia. Gobbi será grotesco e sórdido, mas London afirma-se pela elegância. E poi… há uma graciosidade no fraseado, absolutamente impressionante.



Del Monaco será o grande rival de Corelli – o maior dos maiores Cavaradossi -, spintissimo, arrebatador. Quanto a mim, apenas peca pela falta de subtileza – particularmente visível na derradeira ária, onde cede ao facilitismo do brilho sobre-agudo, em desfavor do drama.



Dramaticamente, esta interpretação é pouco ousada e atrevida, dado que os protagonistas poucas afinidades revelam com a brutalidade humana (vide Callas e Gobbi, em De Sabata, 1953). Contudo, embora pouco latina, a presente leitura, em matéria de elegância, é esplendorosa! Demasiado bem educada, até…


Sinteticamente, atrever-me-ia a considerar esta interpretação como A Tosca de salão, no mais nobre dos sentidos!
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(4,5/5)

1 comentário:

Raul disse...

Caro Dissoluto,
O que é que a Tosca/Callas e o Gobbi/Scarpia com a brutalidade humana? E isso é um atributo latino ?