sábado, 30 de agosto de 2008

De La Traviata pós-Callas – III – Netrebko, eu e a psicanálise

Quando tomei conhecimento da La Traviata de Salzburgo, via cd – por ocasião da sua comercialização, em Novembro de 2005 –, emotivamente, de forma impulsiva, desanquei-o! Inclemente...

A carga emocional subjacente à destruição (ainda que moderada...) da interpretação de Anna Netrebko deu-me que pensar, dada a minha condição de psi. De facto, se o registo era tão desprezível, por que razão lhe consagrara eu uma tão extensa critica? Habitualmente, a mediocridade desvanece-se num ápice, não deixando marcas que perdurem!

Pois bem, claro é agora que a minha soi-disant postura critica mais não era que uma forma altamente defensiva (e eficaz!) de controlar, reprimindo, um desejo quase intolerável...

De facto, à época da publicação desta La Traviata, eu casara há apenas um mês...

A estratégia neurótica – a repressão do desejo intolerável (a ler como: o desejo por Netrebko, tout court) permitira-me manter o Super-Eu (guardião da moral) tranquilo.

A verdade verdadeira, caro leitor – e a verdade (subjectiva) é a obsessão suprema dos psicanalistas –, é que Anna Netrebko desencadeara uma conflitualidade tipicamente neurótica – luta equiparada entre desejo e defesa, erigida contra o mesmo - neste escriba.

De facto, não só a beleza da intérprete como a sua magnífica leitura emocional e prestação vocal me haviam perturbado – ou excitado, como se preferir - imensamente.

Evidentemente, na linha desta estratégia defensiva neurótica, persisti no olhar snob dirigido ao registo dvd da Violetta de Netrebko, até que o desejo triunfou sobre a defesa e, a pretexto de um preço convidativo do artigo, lá fiz o favor à Senhora e adquiri o artigo em discussão.

O resto é da ordem exclusiva do desejo, deslumbramento, encantamento e orgasmo... e será discutido de forma, tanto quanto possível, racional, em posts futuros.

De La Traviata pós-Callas – II – Advertência

Antes de o fiel e paciente leitor se insurgir contra a minha (polémica) equiparação Violetta-Callas / Violetta-Netrebko, impõe-se o visionamento desta La Traviata.


(DG 00440 073 4189)

A minha tese tem por base o citado registo (e não outro – cd áudio, trechos da ópera em questão gravados un peu par tout, au hasard).

Posto isto, evidentemente, não alimentarei discussões preconceituosas, que não tomem por base o visionamento efectivo e integral de La Traviata de Salzburgo, captada em 2005.

De La Traviata pós-Callas - I



Como optimista que sou, sempre achei que a La Traviata da Callas teria, obrigatoriamente, uma sucessora natural, inquestionavelmente à sua altura.

Enfim, encontrei-a, ao cabo de anos e anos de aturada pesquisa: qual Moffo, qual Caballé, qual Scotto, qual Sutherland, qual Chiara, qual Stratas, qual Cotrubas, qual Gruberová, qual Anderson, qual Swenson, qual Theodossiou, qual Gheorghiou...

Apenas a psicanálise explica de modo eloquente e translúcido as minhas intermináveis hesitações em torno de Anna Netrebko. A seu tempo, discorrerei sobre esta temática (também vulcânica).

Por ora, resta-me propor à infinitamente bela Anna Valery um João Germont da sua envergadura!

Para quê negar o evidente?
Sono innamorato di te, Anuska...

sábado, 23 de agosto de 2008

Barcelona...

O meu ideal de férias: terminar as presentes (estivais), já com as próximas programadas!

Findo as férias de Verão amanhã, retomando a labuta segunda-feira, com a droga no horizonte.

Entrementes, o início do Outono aguarda-me, em Barcelona.
O Liceu estará, ainda, inactivo, mas que importa?

Don Mediano

(Don Giovanni, realização de Losey, encenação de Rolf Lieberman e direcção de Maazel, 1979 - dvd)

Um elenco sofrível, à excepção de Berganza (mozarteana graciosa, jocosa e disciplinadíssima) e Te Kanawa (um timbre belo até ao âmago, apoiado numa voz de rara elegância, fina, puramente lírica).

Raimondi, feio, andrógino e de timbre banal, revela-se um protagonista pouco adequado. Moser, como Donna Anna, roça a estridência. Van Dam, demasiado discreto, ainda novato como Leporello, falha pela inconsistência teatral, para não falar de Riegel, esforçado Ottavio, mas absolutamente estranho às exigências mozarteanas de classe, método e brilho.

Quanto ao resto, apesar dos esforços e tiradas bucólicas, dos enquadramentos históricos hiper-datados, temos uma Te Kanawa (Donna Elvira, por sinal a melhor desde Schwarzkopf) entre a Yemanjá e a cantora Gospel – nos trajos, não na voz, sublinho! – e uma Berganza demasiado entradota como Zerlina – uma vez mais, na figura (e não na interpretação, que considero histórica).

Save your Money!!!
Visualmente, este continua a ser o melhor Don, so far

Beethoven vs Gould



Nunca gostei das leituras beethovenianas e / ou mozarteanas de Glenn Gould.
Já em Bach… Gould delicia-me!

Neste dispensável registo, o eminente e mítico pianista canadiano oferece-nos uma interpretação insuportavelmente impregnada do seu histrionismo – com sussurros e murmúrios amiúde -, com uma impressionante falta de leveza, poesia e suavidade.

Este O Imperador é eminentemente técnico e martelado.

Dito, isto, resta-me regressar ao meu O Imperador de referência, produto de uma síntese majestosa: Brendel & Rattle.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Pequim 2008: Il Divo



Triunfo absoluto. Stop.

A habitual corja, maledicente, invejosa, destrutiva e luso-depressiva, que se nutre - qual trupe de abutres - das misérias, dissabores e falhas alheias (neles projectando a sua própria miséria interior), que se chegue à frente!

Neste rectângulo à beira-mar plantado há dois tipos de criaturas: os que enaltecem as glórias e os vermes, que se lambuzam com a miséria.

Salzburgo 2008 - IV: Putalca?!





(Rusalka, de Dvorak, Salzburgo, 2008)

Definitivamente, na presente edição do Festival de Salzburgo, em matéria de mise-en-scène, o que está a dar é a exploração da negra natureza humana. Don Giovanni heroinómano, (O Castelo de) Barba-Azul entrevado (para não dizer mais) e, agora, uma Rusalka aputalhada (lamento mas falta-me adjectivação mais erudita).

Bom, com franqueza, fazer da pobre Rusalka uma puta?!
Não haverá outra fonte de inspiração além do sórdido???

«Rusalka, l'histoire d'une ondine qui souhaite passer du côté des humains et tomber amoureuse d'un prince charmant, devient, dans la relecture des deux metteurs en scène, une prostituée qui demande à s'affranchir. Dans la version du livret, elle est aidée par le gardien du lac, qui, figure paternelle et aimante, l'envoie chez la sorcière Jezibaba. (Evidemment, à Salzbourg, celui-ci est un maquereau au grand coeur, celle-là une passeuse à gages.)

La vieille lui fournit la potion magique destinée à transformer sa queue de sirène en jolis pieds chaussés des plus affolants stilettos Manolo Blahnik qu'on puisse imaginer. S'ensuit le déroulé d'un réjouissant fil qui fera se hausser de bonheur les fétichistes du pied : Rusalka ne cesse de jouir, en silence (car elle a obtenu sa conversion en humaine à condition de se taire), de la vue de ses talons aiguilles, tandis que Jezibaba, au troisième acte, lustre lentement des paires de souliers, quand elle ne tente pas de lutiner un jeune garçon.

En guise de lac et de forêt, on a droit à un bordel au style indéfinissable, mais qui, en dépit de notre manque de connaissance du sujet, pourrait être l'un de ceux qu'on peut trouver dans les ex-pays de l'Est : tombé de tissu rouge froufroutant, canapés "Louis de Barbès" couverts d'un revêtement de plastique antistupre, statue de stuc blanc cheap, etc. Une merveille de mauvais goût porté à l'acmé du raffinement. En ce cadre se prélassent les trois ondines du prologue, érotiques (voire pornographiques) allusions à peine voilées (elles sont en effet quasi nues) aux Filles du Rhin de Wagner... Et, aussi paradoxal que cela soit, tout cela passe et ne casse point... Il faut certes oublier qu'au troisième acte le chasseur et le marmiton devraient arriver en pleine forêt et non dans une maison close, mais, sinon, Wieler et Morabito n'ont pas exagéré leur détournement.
»

Feminino & Materno

Concedo: há muito mais em Je vous salue, Marie do que uma obsessão iconoclasta!
Godard, na singular e ousada leitura que faz da personagem Maria, enfatiza o ódio da criatura, justamente dirigido contra o criador, que dela se serviu.

Maria d’après Godard, contrafeita, também sente uma imensa hostilidade, rebelando-se.

Esta Maria – contrariamente à que o culto mariano institui, difunde e idealiza – não é uma criatura submissa, sujeita à acção de defesas secundárias – formação reactiva (transformação da pulsão no seu contrário), nomeadamente – e outras mais arcaicas – clivagem. A Maria de Jean-Luc Godard antes vive de forma ambivalente, em pleno, não só a graça de ter sido visitada por Deus, como a desgraça de carregar no ventre um filho, sem ter sido feita mulher.

Aliás, é curioso constatar a que ponto a clivagem radical é empregue na construção de uma imagem da maternidade plenamente depurada: de um lado a mãe pura e casta ossia Maria, e de outro a fêmea, pecadora, ossia Maria Madalena.

É como se a fusão de feminino e materno fosse impensável, pelo perigo que encerra.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Salzburgo 2008 - III: Don Giovanni (ainda... e sempre)

Cada cabeça, sua sentença!

Afinal, parece que a nova produção (Claus Guth) de Don Giovanni, ora em cena em Salzburgo, tem rasgos de génio (nada tendo de desprezível)!

O problema, segundo o Le Monde, reside no medíocre elenco... (o Le Figaro tece grandes elogios, justamente, à distribuição!!!) e no físico másculo da dupla Maltman (Don Giovanni) e Schrott (Leporello)?!

Parece que não se pode ser bonito e talentoso... Pelo menos, da fama de umas escapadelas menos ortodoxas, não se livra, a avaliar por Brando...

(Maltman e Schrott, em Don Giovanni d'après Guth, Salzburgo 2008)

«Avant de dire en quoi Claus Guth a une fois encore réalisé un coup de maître, après des Noces de Figaro extraordinaires de finesse en 2006, il faut dénoncer la faiblesse de la distribution. Sans atteindre le niveau vocal catastrophique des spectacles mozartiens d'Aix-en-Provence (Le Monde des 30 juin et 7 juillet), Salzbourg n'honore pas sa réputation en affichant un Commandeur (Anatoli Kotscherga) chantant aussi faux, une Zerline (Ekaterina Siurina) qui, dans les grandes années du festival, aurait chanté dans le choeur... Dorothea Röschmann, excellente musicienne, n'est pas une Elvire de premier plan, tandis que Annette Dasch, qui aurait dû chanter Anna, était en deçà du niveau vocal attendu chaque fois qu'on l'a entendue.


Le cas de Christopher Maltman (Don Giovanni) et Erwin Schrott (Leporello) est différent. Comparables vocalement à de nombreux autres barytons du circuit lyrique de "seconde division", ils sont d'excellents comédiens. Ils font aussi partie des quelques beaux gosses musclés dont l'opéra du XXIe siècle, sur le modèle du cinéma, est désormais friand. Maltman, à l'allure de Jean-Marc Barr dans Le Grand Bleu, est très bon musicien ; Schrott, qui a beaucoup du Brando d'Un tramway nommé désir, beaucoup moins et peine à chanter en mesure.

Don Giovanni et Leporello sont deux Robins des bois délinquants et héroïnomanes. Guth prend appui sur un détail du livret (acte I, scène 2) pour y accrocher le fil de sa lecture : après que Don Giovanni a tué le Commandeur, Leporello lui demande : "Qui est mort ? Vous, ou le vieux ?" Car Don Giovanni, avant de refroidir le "vieux", a été touché par lui.

Et le reste du spectacle, qui est sis dans le décor unique d'une forêt de songe (cauchemardesque) de nuit d'été, montre le fauve, prédateur et séducteur, succomber lentement à sa blessure au ventre tout en donnant le change à ses dernières conquêtes. A la plaie inguérissable d'Amfortas (le personnage de Parsifal, de Wagner), Guth associe l'érection bravache d'un Priape définitif, raide comme la mort.
La manière dont Maltman incarne ce Don Juan à bout de souffle est confondante. Et l'on aime qu'ait été choisie la rare version viennoise de Don Giovanni, qui se termine, sans happy ending, sur la mort du héros, qui tombe dans la fosse que lui a creusée le Commandeur.

Le Don Giovanni sombre, sarcastique et implacable de Guth est d'une intelligence aiguë. Son point de vue (le sexe comme divertissement pascalien et course à l'abîme, le fragile "contrat" des relations humaines) est hautement provocant mais il se fonde sur la logique même du livret, et non sur un concept plaqué coûte que coûte. C'est si rare sur les scènes lyriques, et cela fait toute la différence.

Les tempos vifs de Bertrand de Billy, chef de l'Orchestre de la radio de Vienne, donnent l'illusion qu'on ne s'ennuie pas, mais quelle lecture conventionnelle, quel manque de finesse dans les détails et de précision dans la mise en place entre le plateau et l'Orchestre philharmonique de Vienne, banal et débraillé...

Si la réalisation musicale était à la hauteur de la vision magnifique de Claus Guth, nous aurions affaire à un spectacle lyrique d'anthologie. Avec Nikolaus Harnoncourt, dont la moitié des idées musicales étaient contestables, dans Les Noces de Figaro, en 2006, Guth avait trouvé un partenaire à la hauteur. Mais ce Don Giovanni tombe sous le coup d'une loi imparable : une interprétation moyenne n'est jamais rattrapée par une mise en scène, fût-elle de génie. »

Em boa verdade, o trabalho de Guth a partir de As Bodas de Figaro, também em Salzburgo (2006), no mínimo, foi grandioso! Veremos o que o senhor faz de Così Fan Tutte, última das óperas da trilogia Mozart / Da Ponte...

La Berganza



Há uns bons dez anos - para mais! -, tive ocasião de assistir a um recital de Teresa Berganza.

Na época, Berganza já jogava muito à defesa. Contava com seis décadas de vida. No dito recital, investiu muito em Falla, que pouco me emociona. Contudo, já nos encores, ousou o papel da sua vida, que enlouquecera, muitos anos antes, o público de Edimburgo: Carmen ossia a rainha da sensualidade (na ópera).
Em território luso, também a sua Carmen ("entradota") brilhou, muitíssimo.

No final, não resisti e lá fui cumprimentar a Senhora. A Grande Senhora. Deu-me um autógrafo e afagou-me a cabeça com um ar maternal, mas muito decidido.

Ao ler esta entrevista de Teresa Berganza ao El Pais, recordei com ternura a visita da velha Senhora. Não é que a dita entrevista diga grande coisa... mas diz muito de La Berganza, espontânea e latiníssima:

«(...) No soporto ya la vida en sociedad, esas señoras que te han visto cantar en la Scala una Traviata. ¡A mí, no! Será a Maria Callas.
P. ¿Tenía enchufe?
R. Era la más grande. Yo creo que en mí, lo que vio, es que no era mala. Me quiso tanto... Me llevaba a todas las fiestas y me sentaba en sus rodillas. Me adoptó.
P. ¿Qué copió de la Callas?
R. Copiar, nada. Aprender, lo aprendí todo. Sobre todo que los más grandes son los más humildes. Después, a mí me han querido copiar mucho, pero no han salido como yo. No hay artista igual.
»

Bom, bom... que a Callas era imensa, não há a mais pequena dúvida! Quanto à sua humildade...

Já agora, para que conste, não só a Carmen de Berganza deslumbrava! Teresa Berganza foi uma magnífica rossiniana - Angelina, Rosina, Isabella - e uma deslumbrante mozarteana - Dorabella, Sesto, Cherubino, Zerlina, etc.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Richard und Nina


(OPUS ARTE 0988 D)

Esta produção, estreada em Glyndebourne, em 2003, marcou a estreia de Tristan und Isolde no festival inglês. E que estreia, senhores! No ano passado, o Festival de Glyndebourne – em tempos, o parente mais pobre dos festivais de música – retomou a produção original, perpetuando-a, neste registo.

A encenação (Nikolaus Lehnhoff) simplista, minimal, é inteligente e eficaz, embora as inúmeras subtilezas contidas, por vezes, careçam de explicações (o que não augura grande coisa, posto que a coisa não fala por si, como é de esperar).

Basicamente, toda a trama gira em torno de uma estrutura única, de forma elíptica - que a meu ver reenvia ao abismo, na sua expressão mais lírica, destino a que o amor e os amantes aspiram ab initio -, sendo que esta dinâmica tem lugar num contexto ditado pela dicotomia escuridão – trevas – morte vs luminosidade – clareza - vida.

A iluminação, subtil e cenicamente convincente, serve o drama como brio e nobreza. Os figurinos, maioritariamente sucedâneos do negro e cinza, primam pelo requinte e singeleza, quase roçando a intemporalidade.

Apreciei a direcção musical de Belohlávec, poética e rigorosa, embora, pessoalmente, admire as leituras mais morosas e catastróficas, que espelham com fidelidade o espírito da peça.

Stemme – a suma glória deste notável registo - interpreta a mais extraordinária Isolda que alguma vez testemunhei: cantora superlativa – de voz volumosa qb, grande, ainda assim elegantíssima, com um controlo e afinação majestosos - , actriz magnética, intérprete lendária, passa da suprema arrogância e insolência, na inigualável narrativa (acto I), ao êxtase lânguido do dueto de amor (acto II), atingindo a dilaceração absoluta, no epilogo, antes de perecer de amor.

Esbelta, de timbre aristocrático e robusto, altaneira no porte, de gestos imperiais, Nina Stemme, graças a esta sublime incarnação, entra para a história da lírica wagneriana, ladeando Flagstad, Mödl, Nilsson e Meier. Com a beleza da primeira, o volume e resistência de Martha Mödl e Birgit Nilsson e o talento cénico de Waltraud Meier, Stemme assume-se como a maior Isolda do presente século. E como cresceu desde
o derradeiro Tristan und Isolde, da EMI! Se duvidas houvesse…

A seu lado, Robert Gambill, tenor-baritonal, compõe um Tristan notável, embora desigual. De vibrato algo selvático, começa titubeante – a ridícula peruca, nada tendo que ver com a prestação, em nada ajuda -, para terminar glorioso, num acto III superlativo (e todos sabemos a que ponto este derradeiro acto é assassino para os incautos…), com uma entrega dramática absoluta, apoiada num folgo atlético.

A Brangäne de Karneus, maternal e servil, em nada destoa do alto nível dos colegas. Actriz convicta e cantora meticulosa, triunfa na advertência aos amantes enlouquecidos pela paixão, no acto II. Skovhus, errático no acto I, brilha no epílogo, entregando a alma ao criador de forma heróica. Uma última palavra de enaltecimento para o Rei Marke de René Pape – papel de que é o mais incontestado titular, na actualidade (sucedendo a Salminen) -, que compõe um monarca impressionantemente melancólico.


Caro e fiel leitor, apenas por Stemme, este artigo justificaria os duros €50 que custa! Dado que conta com outros pontos de atracção…

Erwin Schrott - crítica

Há pouco tempo, por estas bandas, fiz referência ao primeiro registo a solo de Erwin Schrott, baixo-barítono uruguaio, cuja carreira tem dado muito que falar, por esse mundo fora.



Eis a primeira crítica ao trabalho do senhor:

«Erwin Schrott (bass-baritone), Orquestra de la Communitat Valenciana, cond Riccardo FrizzaDecca 478 0473, £12.99

The Uruguayan with the darkly soulful good looks (gratefully exploited by Decca's photo department) rightly attracted rave reviews for his feline, prehensile Don Giovanni at Covent Garden.
Yet Giovanni's two solos - always difficult to bring off out of context - are to my ears the least successful items on this rather haphazardly planned debut disc: the Serenade is half-crooned, larded with knowing little inflections, while the Champagne Aria verges on the garbled.
Schrott's virile bass-baritone, with its rich Italianate resonance, is heard to better advantage in a clutch of 19th-century arias. He is especially good in satanic mode, oozing honeyed malice as Mephistopheles (both Gounod's and Berlioz's), and in a rare aria from Meyerbeer's Robert le diable.
Impressive, too, are Schrott's grave legato in Banquo's aria of foreboding ( Macbeth ), and Philip's anguished monologue from Don Carlos, sung (in French) as an intensely private meditation. After Mozart, a long-term future in the Verdian basso cantante repertoire surely beckons.
»


(Erwin Schrott )

sábado, 16 de agosto de 2008

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O (1/2) Anel de Platina



Em férias, ainda a procissão wagneriana vai no adro – em Bayreuth ou algures no sul de Portugal – e já esta criatura dissoluta regozija, banhando-se nas águas tumultuosas e douradas do Reno, enquanto se deslumbra com O (semi) Anel de Keilberth.

Os wagnerianos sabem bem a que ponto se encontra saturada a discografia anelar que, de Solti a Von Karajan, de Böhm a Furtwängler, não cessa de maravilhar, eternizando um dos maiores expoentes da lírica de todo o sempre, justamente Der Ring des Nibelungen.

Os mais pequenos e mesquinhos, incapazes de dissociar a criatura do criador, insistem nas afinidades da wagneriana com o nazismo, assunto que me entedia e aborrece.

Não sou - nem nunca fui - partidário de movimentos anti-semitas ou de outro qualquer tipo que apregoe a supremacia de uns sobre os demais. Se Wagner o era, com franqueza, é para o lado que melhor durmo! Mais: se os nazis apreciavam a lírica de Richard Wagner, só posso daí concluir que, pelo menos em matéria de gosto musical, os ditos nazis, bem vistas as coisas, tinham uma virtude…

Se nem o próprio Visconti – criatura que muito admirei e respeitei -, no superlativo Ludwig, me fez vacilar diante de um Wagner pobre em carácter, mas imenso em criatividade, o que dizer das mundanas e caducas teses que procuram identificar, precisamente, o carácter com a obra!!!

Escutai Wagner, senhores!


Pois bem, regressemos ao Walhall, ossia ao epicentro da trama anelar, desta feita pela mão de Joseph Keilberth, que a divindade de Wotan agraciou.

A leitura deste maestro conta com uma vantagem sobre as dos demais, que acima mencionei. Para além de ter sido captada ao vivo – como as de Furtwängler e Böhm (a primeira no alla Scala e a segunda em Bayreuth) -, a proposta de Keilberth, como nenhuma outra, encontra-se envolta em histrionismo, transpirando uma vitalidade teatral sem paralelo!

Solti será perfeito, Von Karajan majestoso, Böhm eloquente… e Joseph Keilberth, indubitavelmente, é dramático, expressivo, dinâmico, grandioso e metafísico!

A alma humana, por via de Keilberth, acede à transcendência – vide A entrada dos deuses no Walhall (em O Ouro do Reno) ou O adeus de Wotan (em A Valquíria).

Quanto o elenco, porventura dos mais homogéneos, em plena idade de ouro do canto wagneriano, destaco o Wotan de Hotter – o melhor baixo-barítono wagneriano desde que há memória discográfica -, ora deus, ora terreno, ora grandioso e terno, ora cruel e vil, com uma diversidade de registos emocionais impressionante. No respeitante ao canto… nunca escutei voz semelhante, contando com um plus, relativamente à interpretação de Solti, dez anos posterior à presente: a frescura e robustez da voz.

A outro nível, uma rotunda standing ovation para o grande Vinay, tenor baritonal de linhagem, heróico, de voz ampla e transcendente, que interpreta um Siegmund absolutamente incontornável.

Referências muito especiais, ainda no capítulo masculino, para o abjecto Alberich de Neidlinger, o Loge corrosivo de Lustig e os mastodônticos Fasolt e Fafner de, respectivamente, Weber e Greindl.

Quanto às interpretações femininas, apenas a Sieglinde de Brouwenstijn desilude, sobretudo pelo indisfarçável desconforto vocal. Varnay, por seu lado, em plena apoteose, juntamente com Flagstad e Nilsson formava, à época, um trio invencível – escandinavo, por sinal -, em matéria de interpretações wagnerianas. Embora Astrid Varnay fosse a mais imperfeita das três, tecnicamente, no capítulo do drama apenas Nilsson a ladeava!


Caro leitor, por ora, o estado de espírito desta alma está à vista! Quanto às duas últimas jornadas deste ciclo – Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses -, veremos que surpresas nos reserva ainda Keilberth, o Teatral!
Será também de platina, o outro lado deste O Anel?

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Il Mio Tesoro...





"Papá, o tio tirou umas fotos lindas! Lembras-te? Estavas a erguer-me para eu colar a estrela ao céu!
A mamã ficou a ver..."

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Salzburgo 2008 - II

À leitura entusiasta e entusiasmante de Don Giovanni e Roméo et Juliette da presente edição do festival austríaco, proposta há dias pelo Le Figaro, eis o veredicto do El Pais, bem mais contido e reticente:
(A dupla Donna Anna e Don Giovanni, ossia Anette Dasch e Christopher Maltman, em Don Giovanni, Salzburgo, Agosto de 2008)

domingo, 10 de agosto de 2008

(altra) Norma

(EMI 0724356642829)
Esta é a minha quinta e derradeira Norma d’A Callas.
Adquiri-a plenamente consciente das enfermidades inúmeras de que padece, maioritariamente secundárias à prestação vocal da grega.

São incontornáveis as comparações com as incarnações dos mid-fiftes, quando a sanidade vocal de Maria Callas se encontrava inabalável.

A meu ver, esta será uma das Norma mais interessantes, no tocante à distribuição e qualidade sonora – trata-se de uma gravação em stereo, contando com um elenco luxuoso, jovem e homogéneo.


No que se refere à protagonista, Callas desenha uma sacerdotisa majestosa, plenamente dramática, inigualável na ira, na cólera, na dor e no porte altaneiro.
É verdade que os agudos titubeiam e a plasticidade da voz se encontra inexoravelmente comprometida. Em compensação, os graves apresentam uma pujança imperial!

Corelli concebe um Pollione arrebatado, com uma insolência na voz de cortar o folgo. Ladeia-o uma inusitada Adalgisa, mais à-vontade em territórios mozartianos e straussianos do que no belcanto, é certo. Ainda assim, no final da segunda cena do acto I, Ludwig triunfa, transpirando arrependimento! Zaccaria, que fora o primeiro Oroveso da Callas, em estúdio, reimpõe a sua autoridade, esboçando uma figura ainda mais escura e substancial.

Por fim, Serafin, em final de vida, sábio e conhecedor como poucos desta soberba peça lírica (e demais repertório belcanista italiano), reinterpreta Norma sob o signo do drama, não sem uma ponta de artificialismo e ausência de espontaneidade...

Enfim, uma Norma alternativa, pela envergadura teatral da protagonista, pela frescura dos demais solistas e pelo som stereo, superlativo!

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Salzburgo 2008 - I



Por fim, o Festival de Salzburgo é digno de referência pela imprensa não germânica! Não era sem tempo! Aliás, não sei a que se deve tal boicote...

Bom, de uma só cajadada, o Le Figaro apresenta uma leitura crítica de três dos pilares líricos da edição 2008 do festival em questão: Otello, Don Giovanni e Roméo et Juliette.

Eis, em síntese, o que o diário francês diz de Otello, dirigido por Muti:

«Ce choix du cœur et de la continuité a été aussi celui de la classe et de l'élégance tant Riccardo Muti a impressionné dans la construction de l'œuvre. Du tonnerre et des éclairs des premières mesures jusqu'à la mort d'Otello, il impose une énergie tragique, trouvant dans les passages les plus intimes comme les plus violents toujours la couleur idoine. L'Orchestre philharmonique de Vienne, avec lequel il est en parfaite osmose, est l'instrument idéal pour rendre toutes les nuances de cette œuvre crépusculaire de Verdi. La distribution vocale met en valeur le timbre et la souplesse de la soprano russe Marina Poplavskaya, qui interprète Desdémone. Carlos Alvares est également, comme à son habitude, excellent, quoiqu'un peu trop lisse, dans le rôle du traître Iago. Le manque de projection, sur l'imposante scène du Grosses Festspielhaus, vaut quelques huées, bien injustes, au jeune Letton Aleksandrs Antonenko qui chante Otello.»

Já no tocante a Don Giovanni, ao que parece, o ponto mais forte assentou numa exemplar distribuição:

«La distribution vocale reste le meilleur de ce Don Giovanni. Christopher Maltman et Erwin Schrott forment un duo convaincant, le ténor Matthew Polanski est un Don Ottavio à la voix claire et à la projection puissante. Annette Dasch était annoncée souffrante le vendredi où nous l'avons entendue, ce qui explique sans doute une certaine monotonie de son chant, Dorothea Röschmann était en revanche une émouvante Don Elvire, à l'aise dans la tessiture.»

Por fim, o dito jornal elenca ainda as virtudes de um Roméo et Juliette que, infelizmente, não contou com a mais bela presença lírica da actualidade, La Netrebko:

«Rolando Villazon et Anna Netrebko, qui ont déjà triomphé ensemble à Salzbourg dans la Traviata, avaient été pressentis. Enceinte, la soprano a été remplacée par la jeune Géorgienne Nino Machaidze, qui a montré de belles qualités, malgré l'acidité de ses aigus. En revanche sa diction en français laisse à désirer, tout comme d'ailleurs celle de son partenaire, malgré d'indéniables progrès. Le ténor a levé les craintes sur l'état de sa voix dans une salle difficile. Le timbre est toujours aussi beau et sa présence scénique compense son léger manque de projection.»

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Tristan und Isolde: + 1!!!

Pouco a pouco, o sonho vai-se concretizando. Sem amor ao dinheiro, Dissoluto Punito engrandece a sua colecção de Tristan und Isolde!

Desta feita, adquiri o de Glyndeburne, captado em 2007, com um elenco mágico!!!



Posto isto, por ora, fica por adquirir o da dupla Baremboim / Ponnelle:



Haja gente a precisar dos meus préstimos psicanalíticos, dinheiro, saúde e... tempo para os deleites wagnerianos (entre outros)!!!

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Faust(ito)

Un mouvement à la limite de l'alanguissement

Les applaudissements pour le moins tièdes qui ont accueilli Roberto Alagna sont aussi injustes qu'inhabituels. Peut-être le public lui a-t-il tenu rigueur d'un contre-ut hasardeux, ou d'une puissance vocale limitée. Mais qui d'autre offrirait aujourd'hui dans le rôle-titre une telle élégance de ligne et une diction d'une telle clarté, même si l'acteur est toujours aussi conventionnel ?

O Anel de Thielemann

Sempre considerei C. Thielemann o seguidor natural de Von Karajan, em matéria de lírica wagneriana: à semelhança do imensamente narcísico salzburguês, o maestro alemão sobrepõe a orquestra às vozes, interpretações e encenações. Serão opções...


(o maestro Christian Thielemann)

A verdade é que Christian Thielemann foi, sem surpresa, a grande estrela da edição 2008 de Der Ring:

«El director musical Christian Thielemann está inmenso. Comienza con prudencia e incluso hay un momento plano en la segunda escena de El oro del Rin y hasta una bajada de tensión en el segundo acto de La valquiria, pero el despliegue musical en Sigfrido y El ocaso de los dioses es resplandeciente, sobrecogedor, con una fuerza arrolladora, un lirismo estremecedor y un gusto asombroso por el matiz. Dicen los más expertos que la velocidad de crucero de estas producciones a cinco años de Bayreuth se alcanza en la tercera edición. Por lo visto y oido ahora hay que creerles. Thielemann ha aprendido de los viejos maestros que El Anillo.. es muy largo y hay que dosificar la tensión hasta el final. Así lo hace y la orquesta le responde con pulcritud y entrega. ¿Exageramos cuando hablamos de Bayreuth, sobrevalorando lo que ocurre, fascinados por una acústica distinta a las de los demás teatros, o verdaderamente para comprender totalmente a Wagner hay que escuchar ópera allí?. Dejémoslo en interrogante.

El reparto vocal está también a un nivel superior al de hace un par de años. Por lo que han mejorado los cantantes de entonces y por las nuevas incorporaciones. Stephen Gould hace un Sigfrido que es todo corazón, Hans- Peter König se luce tanto en Fafner como en Hagen. Eva- Maria Westbroek es una temperamental Siglinda. Andrew Shore y Gerhard Siegel bordan los personajes de Alberich y Mime, respectivamente. Albert Dohmen es un más que correcto Wotan y Linda Watson una desigual Brunilda, con momentos de brillantez y una escena final un poco apagada. Mención aparte merece el Coro de Bayreuth a las órdenes de Eberhard Friedrich: desde el susurro al desgarro, verdaderamente espectacular en el segundo acto de El ocaso de los dioses.»


(cena de O Crepúsculo dos Deuses ossia a última jornada de Der Ring des Nibelungen, Bayreuth, 2008)

By the way, para os desafortunados - ossia os arredados de Bayreuth -, aqui fica um consolo músical:


Norm(íssim)a

Três foram as (grandes) Norma do pós-guerra: Callas (ossia a dramática), Sutherland (ossia a técnica) e Caballé (ossia a lírica).

A razão de ser do presente post centra-se na fabulosa Norma de La Caballé, captada em Orange nos idos anos 1970.


(INA HCD 4003)

Em meu entender, são dois os pilares desta interpretação monumental: Caballé e Vickers.

Caballé, no apogeu da sua extraordinária carreira, oferece-nos uma protagonista profundamente lírica, apoiada numa técnica majestosa. O timbre é de uma beleza infinita, os pianissimi raiam o milagre – o final da Casta Diva, que encerra com um pianissimo eterno, é absolutamente antológico.

A Norma de Montserrat Caballé contem, ainda, uma invulgar doçura e humanidade terrena: onde a Callas era definitivamente dramática, a Caballé é terna e suave.

Por seu lado, Vickers propõe-nos um Pollione musculado e rústico. Jon Vickers, by the time, o melhor heldentenor do mundo, confere ao procônsul uma envergadura especial: à la Del Monaco, Jon Vickers apoia a sua concepção e prestação numa virilidade rude e brutal.

A mise-en-scène, não sendo minimalista nos pressupostos e intenções, é-o muito avant la lettre: décors singelos, quase inexistentes, e figurinos escorreitos, impregnados de tonalidades profundamente simbólicas: uma Norma quase invariavelmente negra – uma clara alusão às dimensões mortífera e pecadora da personagem -, um Adalgisa branca e alva, quase virginal, e um Pollione despudoradamente escarlate, vértice fundamental do triangulo amoroso.

Esta interpretação será, a meu ver, a mais fantástica de Norma que os olhos viram nas últimas décadas! Sem hesitações de espécie alguma!