sábado, 31 de maio de 2008

Teatro alla Scala - 2008 / 2009

Pessoalmente, considero que a revolução operada por Stéphane Lissner no Teatro alla Scala tem sido bem aveludada: sem rupturas, nem radicalismos, Lissner reorientou a máquina milanesa, ao seu gosto, e com bom gosto!


(Stéphane Lissner, director-geral e artístico do Teatro alla Scalla)

De cor, recordo o magnífico Tristan und Isolde (que tanta tinta por este blog fez correr...), cuja premiere teve lugar a 7 de Dezembro de 2007.

Pois bem, o Senhor alla Scala acaba de anunciar a próxima temporada da casa milanesa, que abrirá com Don Carlo, encenado por Braunschweig.

Eis, sinteticamente, a programação lírica que o Teatro alla Scala nos oferece, na temporada e 2008 / 2009:

«La saison milanaise se caractérise d'ailleurs par la venue de grands chefs et de metteurs en scène prestigieux qui accompagnent une révolution sans tapage ni provocation pour offrir une programmation qui va de Monteverdi à l'opéra du XXe siècle. L'Orfeo, sous la direction de Rinaldo Alessandrini, mis en scène par Bob Wilson, marquera le début d'un cycle consacré au compositeur. L'Affaire Makropoulos, cette année, après Katia Kabanova en 2007, et De la maison des morts, dirigé par Esa-Pekka Salonen dans la version Chéreau, acclamée à Aix-en-Provence, forment un cycle Janacek. Autre auteur du XXe siècle à l'honneur : Benjamin Britten dont A Midsummer Night's Dream constituera le premier volet d'un triptyque qui comprendra par la suite Mort à Venise et Peter Grimes.»

Eugen Onegin

Depois de um dispensável Idomeneo, em versão de concerto, a Gulbenkian oferece, esta noite, um Eugen Onegin, igualmente em versão de concerto. Lá estarei...

Entretanto, aqui fica a marca do último Onegin - inolvidável! - a que assisti, que a DECCA decidiu (em boa hora) comercializar!



Mais tarde, ver-se-á...

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Tosca: do(s) desejo(s) reprimido(s) e camuflado(s)

Inúmeros leitores têm questionado a tese que adiantei, sustentando o desejo de Tosca por Scarpia. Evidentemente, trata-se de uma interpretação minha, que se socorre da minha condição de psicanalista.

Em meu entender, há uma relação que une as três principais figuras da ópera, indo bem além das aparências! Manifestamente, Tosca e Cavaradossi amam-se; também manifestamente, Scarpia deseja Tosca. Mas ficar-se-á por aqui o desejo, na peça lírica?

Em meu entender, não!


(Lina Cavalieri, Tosca)

A extrema repulsa de Floria Tosca pelo barão Scarpia deixa a pulga atrás da orelha...

Freud definiu a Formação Reactiva como mecanismo primordialmente obsessivo, consistindo na transformação do desejo no seu contrário. Tosca não é, nem por sombras, uma personalidade obsessiva, mas emprega este mesmo mecanismo defensivo diante de um desejo intolerável. Creio que a intensidade da repulsa é proporcional à do desejo.


(Rossi Morelli, Baron Scarpia)

Scarpia, que é um perverso, também não se fica pelo desejo por Tosca...

Creio que a tortura a que submete Cavaradossi mais não é que um equivalente de violação. O Barão distorce o desejo homossexual pelo pintor, possuindo-o por via da tortura, expressão do gozo sado-masoquista, evidentemente perverso.


(Massimo Giordano, Mario Cavaradossi)

Eis, pois, a minha interpretação dos desejos reprimidos, distorcidos e camuflados em Tosca, ossia o desejo de Tosca por Scarpia e deste pelo pintor Cavaradossi!

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Tosca, Teatro Nacional de São Carlos, récita de 23 de Maio de 2008

Pour une fois, o melhor da noite não foi o magnífico entrcôte servido na Brasserie de l’entrcôte, ao Chiado! A Tosca do TNSC triunfou, salvando a honra do convento, ossia inverteu-se a lógica da pouca-vergonha subjacente à actual temporada do TNSC.

A presente temporada lírica foi, numa palavra, catastrófica, tocando as raias do escândalo, não raras vezes: um Rigoletto vergonhoso, uma La Clemenza di Tito medíocre, um Les Contes d’Hoffmann inenarrável.

Enfim, parti para a récita como quem vai para o cadafalso, qual Cavaradossi desenganado. Felizmente, enganei-me! Gozei, gozei e degustei um magnífico entrecôte, bien saignant, comme d’habitude!

Não sou, nem nunca fui, grande apreciador de Puccini, devo advertir. À parte La Bohème, Turandot, de quando em vez, e Tosca, a demais produção lírica de G. Puccini é-me quase indiferente. Os leitores assíduos deste blog estão bem ao corrente das minhas preferências operáticas.

Tosca é uma peça lírica tipicamente verista. No que à ópera diz respeito, o Verismo consistiu num movimento italiano do final do século XIX, protagonizado por Puccini, Leoncavallo e Mascagni, entre os mais proeminentes, que elevou o povo à condição de héroi. Nos antípodas do Romantismo – cuja produção lírica e literária se limitava ao modus vivendi da aristocracia -, o Verismo, fortemente impregnado pelo espírito realista e naturalista, retrata a vida mundana, a miséria, a opressão, rejeitando categoricamente o protagonismo aristocrata. O seu herói é a plebe, as tísicas, as putas, os dissolutos, os pobres, a decadência e a luxúria.

Ora, no âmbito do Verismo, Tosca surge como uma criação paradigmática, como referi. Não sendo uma mulher mundana, a protagonista da trama é uma mulher relativamente simples, que vive do seu talento. Ama uma homem que preza a liberdade, vivendo também ele do seu talento. Como terceiro vértice da relação, surge-nos o Barão Scarpia, figura de uma incomensurável perversão.

O signo verista paira sobre toda a obra, no sentido em que são sublinhados aspectos mais primitivos da natureza humana: a luxúria e perversa lascívia de Scarpia, ocultada por uma pseudo-devoção religiosa, lado-a-lado com o tórrido ciúme e manifesta impulsividade de Tosca. A crueza humana, em Tosca, é explorada sem pudor algum! Tosca ama Mario, mas só a muito custo oculta o desejo por Scarpia.

Em Puccini – honra lhe seja feita – não há espaço, apenas, para a nobreza de carácter. A natureza humana é essencialmente complexa, plena de conflitualidades, animada pelo amor e – nunca é demais sublinhar – pelo ódio. Puccini ousou dar expressão à brutalidade humana, evidenciando o que até então era reprimido.
Paz à sua Alma!

Regressemos à récita, móbil primeiro deste post.

Apreciei muitíssimo a encenação de Robert Carsen, que fundiu ornamentação – o mobiliário - com espaços desnudos e amplos, linhas direitas e sóbrias (as de parte dos figurinos e cenários), criando uma atmosfera atemporal. A acção da trama tem lugar, como se sabe, durante os inícios do século XIX. Carsen perverte esta verdade, tornando-a numa mera possibilidade, entre tantas outras.

Em meu entender, Carsen propõe uma encenação ampla e altamente requintada.

Em termos de direcção orquestral, surpresa foi a palavra de ordem! Koenigs propôs-nos uma leitura rigorosa, grandiosa e precisa da partitura, coisa rara desde há tempos! Pena é que o excesso o leve a uma verdadeira obsessão pelo fortissimo, que abafou quase em permanência os solistas! Por certo, Lothar Koenigs desconhece os limites do aparelho vocal humano! Recomenda-se, portanto, que se dedique mais ao repertório sinfónico.

Apreciei a prestação do coro, particularmente coeso e eficaz no Te Deum.

A performance dos solistas, ainda que desigual, revelou grandes virtudes.


(Elisabete Matos)

Elisabete Matos é, indubitavelmente, uma grande intérprete, de voz ampla e pujante. Brilha nos agudos e triunfa nos graves. A sua Tosca – vocalmente notável – enfermou de uma certa fragilidade teatral. Falta-lhe calor e libido! Há algo de freirático – quando não trôpego - na movimentação. Tosca é uma mulher desejável, de sangue quente, fervilhante, ávida de amor; Matos, nem tanto...

Há alguns anos, numa entrevista, li que Elisabete Matos cultivava o celibato. Faz mal! A voz e a interpretação ressentem-se...

Evan Bowers, o Mario Cavaradossi da récita, revelou-se um cantor razoável e um actor medíocre. Aguentou-se bem no Recondita Armonia, vassilando no E Lucevan le Stelle. Peca por uma mímica muito pobre e desajeitada.

Quanto ao Scarpia de Vladimir Vaneev, tirando a circunstância de amiúde não se ouvir, literalmente (o volume da orquestra em nada ajudou, é certo), compôs um personagem com substância, plenamente perverso, transpirando lascívia e malignidade. Não sei se a figura do intérprete suscita desejo junto do público feminino, mas isso é outra questão, que não cabe aqui discutir!



Numa palavra, maugrado as inúmeras fragilidades, globalmente, esta Tosca brilhou, marcando – espera-se! – um volte-face em termos de qualidade da programação do São Carlos que, até à data, se pautou pela deficiência.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

segunda-feira, 19 de maio de 2008

As Tosca da minha vida

Da Tosca ora em cena no São Carlos, muito ecos me têm chegado, o mor das vezes abonatórios. Evidentemente, pronunciar-me-ei após 23 de Maio, dia da récita a que irei assistir.

Espiritualmente, a preparação para a dita récita já teve início.

Pessoalmente, há três grandes e incontornáveis Tosca. Advirto que a minha cdteca conta com inúmeras, algumas bem dispensáveis...

As proposta que aqui faço baseiam-se, não em figuras isoladas, mas antes em interpretações da obra, no sentido mais amplo e vasto.

Estranhará, porventura, o leitor algumas ausências: Milanov, Tebaldi, L. Price, Taddei, Nilsson, Corelli, Domingo, Pavarotti, Caballé, Freni, etc. A verdade é que estas criaturas semi-divinas brilharam como intérpretes em Tosca, embora tivessem integrado "equipas" algo deficitárias...

Em todo o caso, obviamente, o critério é meu! Ei-las, portanto:

domingo, 11 de maio de 2008

Da psicanálise selvagem

A 5 do corrente mês de Maio, no Diário de Notícias, Ferreira Fernandes disserta sobre o famigerado caso Fritzl. A crónica apenas mereceu a minha atenção redobrada pela ignorância que encerra!


(Ferreira Fernandes)

«A tragédia austríaca de Josef Fritzl engravidando a filha, encafuando-a e aos filhos-netos numa cave, seguiu-se à tragédia também austríaca de Natasha, sequestrada e abusada durante anos. A coincidência levou ilustradores de todo o mundo a desenharem o vienense Freud psicanalizando a Áustria, deitada num divã. Ora, uma das vítimas destes escabrosos casos bem pode ser esse mesmo dr. Sigmund Freud. Os seus patrícios como que se juntaram para demonstrar que ele, afinal, prestou a atenção errada à causa de distúrbios mentais. Quem lê as notícias sobre a Áustria, não fica exactamente com a ideia de que o seu famoso complexo de Édipo - o desejo incestuoso do filho pela mãe, levando a desejar a morte do pai - é que move os tarados. Isto, claro, não excluindo a hipótese de Fritzl e o carrasco de Natasha serem filhos de Freud e terem feito o que fizeram exactamente para darem cabo da reputação do pai (matando-o metaforicamente), para em seguida violarem o bom nome da mãe-Áustria.»


(Josef Fritzl)

Provocatoriamente, bem ao seu estilo, Ferreira Fernandes discorre em tom malicioso, jocoso e irónico sobre o labor psicanalítico, procurando evidenciar a falha d’A Freudiana.

A psicanálise não é dogmática, nem a obra de Freud perfeita. Seguramente.

Ainda assim, cabe-me esclarecer Ferreira Fernandes sobre as suas falhas interpretativas e conceptuais, na prosaica leitura que dos mencionados casos faz.

Desde logo, FF desconhece o essencial: a psicanálise não pretende prestar auxílio a organizações psicopatológicas perversas - da linha de Josef Fritzl. Não só estes doentes não procuram ajuda psicanalítica, posto que a culpabilidade e sofrimento psíquicos lhes são rotundamente estranhos (fazem sofrer, não sofrendo), como a reversibilidade do mal de que enfermam constitui, o mor das vezes, uma ténue miragem.

Em segundo lugar, caro FF, saiba o senhor que o citado complexo de Édipo constitui um organizador psíquico que as personalidades perversas não integram, como o senhor ou eu próprio o fizemos! A prova disso? A exogamia – ditame último do complexo de Édipo – não figura na perturbadíssima mente de Fritzl.

Por último, cabe-me informá-lo que, de facto, a psicopatologia perversa – e bem assim toda a pesada perturbação mental – se encontra bem aquém da possibilidade de aceder a Édipo, no sentido psíquico do termo ossia integrar interditos – a renúncia ao incesto, nomeadamente -, experimentar a culpabilidade e estabelecer as identificações secundárias (ou de género), que fazem com que o homem ame a mulher e vice-versa.


(Sigmund Freud)

Mais lhe digo, caro senhor, que a sátira pode redundar em momentos de uma confrangedora ignorância! Leia Freud, pela sua saúde!

sábado, 10 de maio de 2008

Ascensão ou Queda de um Dissoluto: a poligamia de Punito ossia As Mulheres da minha Lírica

A proximidade dos quarenta – ainda longínquos, quand même... – tem produzido efeitos surpreendentes na mente de um certo Dissoluto: primeiro, o dito cujo toma-se de amores pelas gueixas; depois – ainda não recomposto do deslize – Il Dissoluto Punito entrega-se à poligamia...

Há muitos anos, na defunta Valentim de Carvalho, ao Chiado, o João Ildefonso apresentou-me, via cd, uma das mulheres (líricas) da minha vida: Cheryl Studer.

No registo da Senhora – um Best of absolutamente estrondoso, sem concessões comerciais, nem vulgaridades artísticas de espécie alguma – sobressai uma leitura triunfal de um dos mais extraordinários trechos líricos de A Mulher sem Sombra, de Richard Strauss: Vater bist du’s?


(Cheryl Studer)

Não fora a insistência do João, provavelmente, A Mulher sem Sombra não figuraria ainda tão prolixamente na minha cdteca: doravante, iniciei-me nos encantos da dita, envolvendo-me libidinosamente com cada uma das suas protagonistas: Rysanek, Studer, Varady, Studer(2)...


(Böhm'54 - DECCA -, Sawallisch'88 - EMI -, Solti'91 - DECCA - e Solti´93 - DECCA, edição dvd)

Todas me agradaram, mas apenas uma me fascinou: La Studer! Surpreendido, caro leitor? Rysanek sempre foi tida como A protagonista definitiva de A Mulher sem Sombra, A Kaiserin derradeira...

Pois bem, ainda que a minha paixão por Cheryl S. se mantenha, não resisti a mais uma "escapadela": de novo, entreguei-me de corpo e alma a Leonie R.

Irresistível, não? Não tendo a luminosidade de Studer, Leonie Rysanek, em termos de densidade interpretativa e elegância, é soberana, tanto mais que o registo em que se deu o nosso encontro amoroso corresponde ao apogeu da carreira da grande A Mulher, os mid-60’s, em Viena, sob a batuta de um certo Von Karajan.


(Leonie Rysanek)

Segundo consta, não foram muitos os encontros posteriores dos dois monstros, Leonie e Herbert.

Anos mais tarde – nos seventies -, sobranceiramente, Von Karajan menosprezou a putativa Salome de Rysanek. Tramou-se! Karl Böhm, tomado pelos encantos mil da austríaca, não hesitou um só segundo e... Leonie Salome, quarentona convicta, indisfarçável e assumida, triunfou!

Von Karajan, quiçá vexado, quis contra-atacar, escolhendo Hildegard Behrens para protagonista, de novo em solo austríaco. Não se deu mal, não Senhor!

Claro está, Rysanek fez escola, inclusive em Salome: Mattila, à semelhança de Leonie, ousou a protagonista de Salome, já depois dos quarenta. Evidentemente, Karita tirou-me do sério, nua, escaldante, tórrida...


(Karita Mattila, protagonista de Salome, no Met, em 2004)

Regressemos à terra, que seja a Staatsoper, algures em 1964: o elenco é um verdadeiro luxo!


(Von Karajan'64 - DG)

Enjoy it
!

Pessoalmente, estou deleitado! Comprei o artigo há poucos minutos, a escassos €25, numa certa loja lisboeta, que de nacional nada tem...

Moral da história: na lírica - particularmente em Strauss, em A Mulher sem Sombra -, a poligamia é incontornável...

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Tristezas não pagam dívidas!

Ao cabo de anos, deixei-me seduzir pelo download oficial (a não confundir com o clandestino, que prolifera na net!).

Regra geral, sou avesso às facilidades do dito download, mas diante da eternamente adiada comercialização de Arie di Bravura – de Diana Damrau – no nosso país, cedi! Há bem pouco tempo, por ocasião de uma ida ao estrangeiro, namorei o citado artigo, abandonando-o em favor de outros de indesmentível interesse.

A intuição raramente falha...

Não só a operação frustra – não pela facilidade, que é indiscutível -, dado que passamos a ser detentores de um artigo – nunca é demais frisá-lo! – virtual (sem caixa, nem texto algum), como o conteúdo do mesmo decepciona, sem meias-tintas: uma colectânea de árias compostas para soprano ligeiro, exigentes em ornamentação, tipicamente virtuosas, características do período clássico – Mozart, Salieri e Righini -, servidas por uma intérprete pouco madura, em termos interpretativos, com uma voz de timbre quente, não particularmente belo, detentora de uma acidez incómoda (leia-se, no limite da estridência, particularmente nas vocalizações). A técnica não é de negligenciar, embora não responda cabalmente às exigências da almejada bravura.

As comparações com as rivais contemporâneas – Dessay e Jo, sem ir mais longe – impõem-se: o veludo da francesa e o brilho da coreana levam a melhor sobre esta intérprete germânica, pelo menos, no que a este registo / repertório concerne.
Esperam-se melhores dias!


(Virgin Classics 0094639525027)

Moral da história: NO MORE DOWNLOADS – que nos reenviam à nossa condição de eternos castrados (sem os atributos que a compra real de cds nos proporcionam) e Reticências diante de Diana Damrau!

Ossia

Choro os meus €9,99...